ADUR Online #55: Mobilidade, multimodalidade e integração geográfica da UFRRJ, campus Seropédica: uma luta necessária
ADUR Online
23 de agosto de 2021
Por Leandro Dias de Oliveira1
Recentemente, a comunidade acadêmica saudou a notícia de que o projeto da criação de uma nova linha de ônibus entre Nova Iguaçu e Seropédica mobilizou esforços conjuntos da Reitoria, com a participação do Prof. Roberto Rodrigues, de representantes do Diretório Central dos Estudantes, da Associação Docente da Rural (ADUR) e do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRRJ (SINTUR), numa reunião com a equipe da Secretaria de Estado de Transportes do Rio de Janeiro (SETRANS-RJ)2. Tal possibilidade atenderia a uma importante demanda de integração entre as cidades pela Rodovia Presidente Dutra (BR-116) e facilitaria muito as condições de transporte de estudantes, docentes, técnicos e trabalhadores terceirizados da comunidade acadêmica ruralina. Aliás, certamente causa imensa angústia o grande número de discentes que optam por outras instituições com a justificativa de dificuldade de acesso e alto custo nos transportes para estudarem na UFRRJ-Seropédica.
Assim, um dos grandes desafios institucionais é justamente integrar, de forma mais adequada, veloz e previsível, o campus ao restante da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Para uma universidade que se globaliza, redimensiona a sua potência inovativa, amplia o número de interessados em suas diferentes graduações e programas de pós-graduação e abre suas portas para as comunidades do entorno imediato e de média distância, é fundamental contar com maior mobilidade espacial. Nesse sentido, qualquer um que tenha se aventurado a enfrentar, de ônibus, os 15 km que separam a Avenida Brasil da entrada do campus-sede pela antiga estrada Rio-São Paulo (BR-465) sabe o quão difícil acessar a universidade por meio de transporte público.
A multimodalidade também é essencial. O geógrafo [e grande amigo] Denis Castilho, professor da Universidade Federal de Goiás e especialista no tema, afirma que precisamos superar a dependência do rodoviarismo na circulação e a mobilidade para o desenvolvimento do país. Ao mesmo tempo, há que romper com a noção de que as ferrovias servem apenas para o transporte de commodities ou para atender as demandas de exportações, algo vinculado à forte articulação das frações corporativas que subjugam o sistema ferroviário ao trânsito de capitais3. Se as redes ferroviárias já se constituíram como os principais meios de circulação no Brasil de bens, produtos e pessoas no século XIX e mesmo no início do século XX4, não há dúvidas que os trilhos também serão os caminhos do futuro, que exige maior velocidade e integração e menores danos ambientais. Afinal, os trilhos já ocupam, por excelência, posição central no desenvolvimento de vários países do mundo; na China, por exemplo, eles são o futuro e guardam estreita relação com a transição energética e tecnológica.
Aqui, não há dúvidas, a questão é central. Sabidamente, a implementação do transporte ferroviário gera maior segurança – basta pensarmos no número de acidentes de trânsito cotidiano em ruas e rodovias em todo o mundo –, garante um custo operacional e de manutenção mais baixos em relação a outros modais, permite grande capacidade no transporte de passageiros e ainda resulta em investimentos menores por parte de seus usuários na relação R$/Km percorrido. Agora, chamamos a atenção no que se refere ao meio ambiente: o transporte ferroviário apresenta muito menor impacto e consome muito menos recursos [riquezas, como prefiro] naturais. É incomparável a quantidade de emissões de dióxido de carbono associados a um transporte coletivo ferroviário de grande capacidade em relação aos carros, ônibus e demais veículos automotores em profusão nas grandes cidades.
Pude, há pouco tempo, participar de uma reunião virtual no âmbito da Secretaria de Estado de Transportes onde foi apresentado o Plano Estratégico Ferroviário do Estado do Rio de Janeiro5. Nesse workshop, que reuniu autoridades, empresários, técnicos, pesquisadores e outros interessados no tema, foram apresentados vários projetos, como a implantação de plataformas logísticas em Queimados, no Arco Rodoviário (Leste, no antigo COMPERJ, atual Polo GasLub Itaboraí; e Central, na Cidade dos Meninos, em Duque de Caxias), melhorias no Corredor Ferroviário Rio-São Paulo da MRS Logística S/A6 e nas ferroviárias portuárias de Itaguaí e, especialmente, a implantação do Tramo Atlântico da EF-354 (trata-se do projeto da Ferrovia Transoceânica, que ligará o Oceano Pacífico ao Atlântico / Peru-Brasil, e atingirá o Porto do Açu, em Campos dos Goytacazes) e a EF-118 (Vitória-Rio), que ligará a Região Metropolitana do Rio de Janeiro até o Porto do Açu em bitola dupla e seguirá então até Vitória, no Espírito Santo, em bitola simples7.
Mas nem só de corredores logísticos para as commodities [eufemismo vocabular para natureza-mercadoria] trata o plano. Há uma carteira de projetos que envolve ligações ferroviárias como: Duque de Caxias – Honório Gurgel – Deodoro, Nova Iguaçu–Belford Roxo–Gramacho–S Bento, Santa Cruz – Itaguaí, Estácio – Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, Macaé-Campos dos Goytacazes e Volta Redonda – Barra Mansa – Resende. Há ainda uma série de trens turísticos no projeto, como a extensão do antigo trem “Macaquinho”8 até Mangaratiba e a recuperação da linha “Barrinha” (Barra do Piraí – Japeri), para focarmos apenas em áreas mais próximas ao campus Seropédica da Universidade Rural. Todos estamos cientes da distância cósmica entre projetos políticos e início das obras, mas o fato de não haver qualquer menção a uma linha que chegue a Seropédica, uma cidade que recebe milhares de estudantes diariamente, não pode ser negligenciado.
Bom, em meio ao debate realizado, após 1 hora e 22 minutos, é lida minha pergunta aos preletores sobre tal ausência: como estamos em meio à renovação da concessão da operação dos trilhos da MRS que cortam o campus da Universidade Rural9, afinal, por que não agregar um trem de passageiros? Lembro, especificamente, do fato de que a MRS está atualmente renovando, de forma antecipada, seu contrato de concessão da malha ferroviária por mais 30 anos – algo que só ocorreria em 2026 – com a perspectiva de investir alguns bilhões de reais em obras e diversificar as cargas transportadas, hoje muito vinculadas à Vale, Gerdau, Usiminas e CSN10.
Assim, é confirmado pelos respondentes que realmente se trata de uma linha/estação evidentemente necessária, ainda que seja destacado que o cerne é o papel logístico da MRS e não a criação de contrapartidas para mobilidade urbana. Todos os presentes tinham ciência que linhas férreas que comportam trens para transporte de carga dificilmente podem agregar concomitantemente linhas de passageiros, devido às diferenças de ritmos, estrutura e mesmo formas de operação; contudo, a questão era, por assim dizer, uma linha paralela, aproveitando o leito estradal da ferrovia existente.
Assim, logo é dada a receita: [1] a faixa de domínio (margens não edificáveis fundamentais para a operação11) já existe e é ressaltado que o mais caro para projetos dessa natureza é justamente a abertura de veios para implantação física das ferrovias, com desapropriações e indenizações em seu trajeto; portanto, sabedores de que já há o leito por onde correm os trens da MRS, não serão necessários tais procedimentos, que sempre geram preocupações sociais pelos já conhecidos impactos dolorosos das remoções, por vezes violentas e autoritárias; [2] há a necessidade de alinhamento com os planos diretores da cidade e a exigência de se pautar o debate junto ao poder público. Eis que aí emerge a oportunidade, cujo intento temporal pode ser de médio ou longo prazo, para a UFRRJ se projetar como sujeito em tal pleito!
Segundo estimativa do IBGE, há somente nas cidades de Itaguaí e Seropédica mais de duzentos mil habitantes ávidos pela diversificação dos modais de transportes e que seriam profundamente atendidos com novas formas de mobilidade espacial. Da mesma maneira, a centralidade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que abriga mais de 14 mil alunos no seu campus Seropédica, também se reforçou mediante sua expansão recente, atraindo alunos da região metropolitana e oferecendo capacitações diversas para seus egressos. O movimento pendular intenso de professores, alunos, técnicos e demais trabalhadores justifica a atenção à proposta aqui levantada.
A integração modal de passageiros aproximaria o campus-sede da UFRRJ dos Distritos Industriais de Santa Cruz e Queimados; as cidades de Seropédica das demais cidades da Baixada Fluminense e da cidade do Rio de Janeiro; o campus com os municípios da Costa Verde. Neste aspecto, a integração ferroviária do extremo oeste metropolitano fluminense, que atualmente transporta commodities e permite uma ligação muito intensa e contínua de Itaguaí com o restante do Brasil, necessita transbordar para uma mobilidade ferroviária de passageiros, com a possível edificação de uma Estação Ferroviária Seropédica-UFRRJ, aproveitando os caminhos dos trilhos logísticos existentes para aproximar as populações locais. Como já alertamos12, apenas 12 km, por exemplo, separam o entroncamento dos trilhos da MRS (empresa que opera a Malha Regional Sudeste da antiga Rede Ferroviária Federal S. A.) na altura do cruzamento com a BR-465 da estação ferroviária de Japeri.
É possível, obviamente, pensar inicialmente em apenas um dos trechos, seja em direção à Japeri ou Itaguaí. Um esforço envolvendo diferentes esferas governamentais e sujeitos, como a própria comunidade acadêmica da UFRRJ e os organismos civis, é capaz de projetar tanto a integração Seropédica-Japeri quanto uma linha férrea de passageiros capaz de integrar Seropédica, Itaguaí e Santa Cruz. O papel do corpo institucional da UFRRJ, da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica da UFRRJ (FAPUR) – cuja vice-presidente, Prof.ª Clarissa Oliveira da Silva, há muito tempo tenciona a integração ferroviária do campus –, da ADUR, do SINTUR, dos coletivos estudantis e demais artífices da comunidade acadêmica se mostra essencial para vislumbrarmos tal projeto.
Por fim, reforçamos neste pequeno texto a leitura geográfica do desenvolvimento, olhando-se para o território, seus objetos e seus fluxos. E destacamos, em tons de conclusão, que as implicações territoriais, os impactos ambientais, as ações no entorno e os encadeamentos produtivo-espaciais devem sempre ser conjugados com as necessidades das pessoas que moram, trabalham, estudam, se divertem e lutam na expectativa de um desenvolvimento mais inclusivo e abrangente para Seropédica e toda a região.
1 Professor do Departamento de Geografia [DGG-IA] da UFRRJ. Contato: leandrodias@ufrrj.br / r1.ufrrj.br/geografiaeconomica.
2 Consultar: https://portal.ufrrj.br/ufrrj-solicita-criacao-de-nova-linha-de-onibus-entre-nova-iguacu-e-seropedica/ e http://www.adur-rj.org.br/portal/representantes-da-ufrrj-se-reunem-com-secretaria-estadual-de-transportes-do-rio-de-janeiro-para-reivindicar-melhoria-na-mobilidade-urbana/.
3 Consultar: https://www.jornalopcao.com.br/reportagens/por-que-as-ferrovias-do-brasil-transportam-apenas-carga-341404/.
4 CASTILHO, Denis. Modernização Territorial e Redes Técnicas em Goiás. Goiânia [GO]: Editora UFG, 2017, p. 70
5 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7LBdB7wtXQI.
6 MRS é a empresa que opera a Malha Regional Sudeste da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA). Os trilhos da MRS cortam o campus-sede da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, passando, no que se refere à parte predial da instituição, muito próximo ao complexo do Instituto de Florestas.
7 Consultar, preliminarmente: http://arquivo.proderj.rj.gov.br/setrans_pelc_imagens/SCSEditaImprensa/arquivo/upload/Relatorio%20P5%20%20Revisao%20Final.pdf.
8 Trata de uma linha que existiu durante grande parte do século XX, que saía de Itaguaí e tinha estações em Coroa Grande, Muriqui, Ibicuí e finalmente Guaíba, em Mangaratiba, de onde retornava para atingir Itaguaí, mas também se integrava à Santa Cruz. Conforme: https://www.seropedicaonline.com/ultimas-noticias/conhecam-a-historia-do-trem-macaquinho-que-ligava-santa-cruz-a-mangaratiba-video/. O ramal de Mangaratiba foi, originalmente, uma linha bananeira, o que explica o apelido. A volta do “Macaquinho”, só que em edição mais moderna, tem sido discutida no Plano Estratégico da Cidade de Itaguaí, por meio da Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão (SECPLAN). Conforme: https://itaguai.rj.gov.br/noticia-1750-plano-estrategico-de-itaguai-pode-colocar-de-volta-o–e2-80-9cmacaquinho-e2-80-9d-nos-trilhos.html.
9 Consultar: https://www.mrs.com.br/post-newsletter/mrs-apresenta-detalhes-de-seu-plano-de-renovacao-antecipada-da-concessao/.
10 Consultar: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/01/19/renovacao-de-contrato-da-mrs-ganha-prioridade-e-sai-ate-3o-tri.ghtml.
11 Para maiores detalhes sobre faixas de domínios ferroviários, consultar: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/despacho-n-13/2021/gm/minfra-309010172.
12 OLIVEIRA, Leandro Dias de; GERMANO, André Luiz do Nascimento; PINHO, Miguel Alexandre do Espirito Santo. Crise, desenvolvimento e território: reflexões sobre o extremo oeste da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Cadernos do Desenvolvimento Fluminense, v. 18, p. 42-62, 2021. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/cdf/article/view/58822.
*Leandro Dias de Oliveira é professor do Departamento de Geografia da UFRRJ e docente dos Programas de Pós-graduação em Geografia (PPGGEO-UFRRJ) e Interdisciplinar em Humanidades Digitais (PPGIHD-UFRRJ).
*ADUR ONLINE é um espaço aberto aos docentes e pesquisadores da UFRRJ e de outras Universidades também. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.
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